HOMEM FEITO

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SINOPSE


Homem Feito é uma história sobre a formação da identidade masculina na nossa sociedade
Um homem volta a sua cidade natal após 10 anos e reencontra duas figuras masculinas que marcaram sua infância e, que mesmo após muitos anos, ainda influenciam sua vida: o pai e um amigo dos tempos de escola. O pai é um homem machista e extremamente conservador que expulsou de casa o filho quando este se assumiu gay. Já o amigo foi com quem este homem dividiu, ainda na adolescência, uma história de intimidade e afeto interrompida após um terrível episódio de violência escolar.

INDICADO AO PRÊMIO SHELL 2019 (categoria melhor iluminação)

FICHA TÉCNICA


Dramaturgia: Rafael Souza-Ribeiro
Atuação: Breno Sanches
Direção: Breno Sanches e Rafael Souza-Ribeiro
Trilha Sonora: Marcello H
Cenário:  Tuca Bevenutti, Murilo Barbieri e Breno Sanches
Figurino: Bruno Perlatto
Assistente de Figurino: Luísa Marques
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Visagismo: Diego Nardes e Lucas Souza
Preparação Vocal: Jane Celeste
Preparação e Movimentação de Luta (Muay Thai): Willyam Souza
Fotografia: Renato Mangolin
Arte Gráfica: Ludmila Valente
Assessoria de Imprensa: Lyvia Rodrigues – Aquela que divulga
Direção de Produção: Breno Sanches
Produção Executiva: Hugo Souza
Assistente de Produção: Naomi Savage
Produção: Pagu Produções Culturais
Realização: Cia Teatral Milongas

GALERIA DE FOTOS



CRÍTICA

Desvelando preconceitos e traumas, o espetáculo “Homem Feito”, da Cia. Teatral Milongas, expõe contradições de um gay machista.

Macho que curte macho. E fode gostoso, com força, numa pulsão para ferir e talvez machucar-se, como uma espécie de ilusória compensação pelo ato que comete às escondidas: gostar de trepar com outro homem, mas com a condição de que seja tão viril quanto ele. Este breve resumo serve de perfil inicial para entendermos a personagem que o ator Breno Sanchez está interpretando na peça “Homem Feito”, em cartaz na Sede das Cias (Escadaria Selarón, Lapa), às sextas e sábados, 20h, e domingos, 19h, até 13 de outubro de 2019, com ingressos a R$ 30 e R$ 15. Como mais um exemplo da resistência do nosso teatro – capitaneado pela Cia. Teatral Milongas sem patrocínio algum –, o espetáculo, com texto de Rafael Souza-Ribeiro e direção dele com o próprio intérprete Breno Sanches, clareia uma certa masculinidade tóxica, que merece a vasculha da psicanálise principalmente por ser de um homem consciente da sua condição gay desde os 13 anos de idade.

A tal figura, sempre chamando a atenção ao seu poder de sedução, vigor, tesão e beleza física, em revelação íntima à plateia, passa a contar sua trajetória de vida abusando dos saltos temporais e espaciais. Seus inúmeros recalques têm início com a perda da mãe aos 5 anos e o desejo de se vestir como ela. A repreensão do pai castrador começa ali, incentivando-o a ser homem de verdade, com direito a doses de violência e incitação para manter sempre altos os índices de testosterona, do gestual às escolhas esportivas, da vestimenta ao carro dos sonhos. Toda a sua construção de ser humano é calcada no típico macho escroto brasileiro, repleto de preconceitos. A delicada questão é que ele se percebe gay, busca prazer, e sua relação com este mundo vai ser pautada na rejeição a afeminados e a uma gama de outras categorias, de negros a velhos, tudo sem viadagem, bichice, pinta alguma. Coisa de macho para macho e ponto final.

O problema é que um ser truculento se esconde ali. Covarde e violento, suas atitudes vão desvendando, na aparente doçura da voz e, principalmente, por trás de toda a beleza física (e a plateia, majoritariamente gay, suspira de verdade com o atual estado do ator Breno Sanchez), a personalidade de um ser abjeto, cruel e perigoso, que destila um gosto amargo para quem se deixou levar pela bela aparência inicial. A montagem, além de nos dar de presente uma figura interessantíssima, faz um apelo à escuta, ao ritmo das palavras proferidas, ao sabor delas, ao evoluir das cenas que nos impelem a uma brutalidade pulsante, mas sempre com uma sedução irrepreensível.

Como a violência física pulula na trama constantemente, pode-se dizer que o conceito de luta é um termo bem apropriado à encenação, não só daquelas de extremo vigor físico, mas também intelectual, planejada milimetricamente – o uso cenográfico de uma cabine onde o ator vai destrinchando linhas de barbante num aparente, mas bem projetado emaranhado, cai bem para o clima tenso, quase asfixiante das suas revelações labirínticas, além da luz funcional e precisa –, já que estamos tratando de alguém que, por trás de certo humor e empatia, é hediondo pelos seus valores e discursos, independente dos traumas que o golpeiam desde a infância. E a peça não se rende a uma espécie de regeneração ou sublimação, de forma alguma.

Indo de encontro a qualquer ativismo gay, talvez seja um incômodo para alguns que, em tempos de discussões acaloradas na sociedade atual sobre a tão sonhada pluridiversidade politicamente correta, a obra apenas faça um retrato de pulsões tão preconceituosas (basta ter acesso a comentários de internautas em sites pornográficos ou aplicativos de pegação gay para ver como isso existe), dando foco ao lado mais negativo, sombrio e reacionário do tema. Foi uma opção. E ao final, fica a impressão de que, se só se vence o medo enfrentando-o, o espetáculo cumpriu o seu papel de expor a ferida.

*Jornalista, crítico e pesquisador teatral pernambucano, atualmente Doutorando em Artes Cênicas na UNIRIO.

Por Leidson Ferraz*

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